LOCAL DO ÓCIO criação: Osmar Batista Leal

" Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço"
( William Blake)

domingo, 24 de julho de 2011

Texto 3 (O brilho da foice -parte 2)



   
       Na escuridão da noite, Adimirzinho caminhava  ouvindo o som de seus próprios passos e sentindo o cachorro , tremendo de medo, esbarrar em suas pernas.
       O rapazinho  estava sem sono. Aliás, nunca tinha sono à noite, pois enquanto os outros irmãos labutavam em seus ofícios diários, ele ficava em casa para preparar a comida. No entanto, acabava tirando um cochilo. E aí, quando os homens suados e esfomeados chegavam, não encontravam a comida pronta, batiam no miserável até a fome passar.
        Porém, Guanxuma, o cachorro, apesar de estar com sono, morria de pavor. Ele acreditava na história da velhinha, mas obrigou-se a acompanhar o caçador porque maior que o medo era a dor de uma "espingardada"no lombo. Adimirzinho descontava nele a raiva que sentia dos irmãos mais fortes.
        -Guanxuma, esse silêncio está começando a me deixar com medo!  Guanxuma! Quebre esse silêncio, lata alguma coisa !
        O caçador noturno não via nem ouvia nenhum sinal de caça. Quanto ao cachorro, não sabia se seguia atrás do homem ou a sua frente, de tanto medo.
        De repente, brotou um barulho por entre a escuridão . Não se distinguia se algo pulara de cima de uma das árvores ou se saltara de trás de uma moita. Pernas esqueléticas se moviam e um brilho metálico roçava o capim crescido.
        Quando o Rancorgue percebeu, já estava sozinho. O cachorro não tivera a mesma coragem que ele de ficar esperando para ver o que era. Adimirzinho armou sua espingarda e, ainda  gritando com o animal companheiro que fugia, arregalou os olhos, esperando pelo que estava para aparecer.
        -Volte aqui, seu pulguento covarde ! A hora que eu te pegar você vai ver uma coisa... Venha me ajudar a matar esse bicho que está vindo. Deve ser bem grande...
        Algo apareceu. Era uma velhinha que trazia nas mãos uma foice brilhante. E ele, Adimirzinho do cabelo cortado, sem vacilar, meteu o dedo com vontade no gatilho e "carcou" cinco balas no corpo seco da assombração.
         A foice que a velhinha trazia desprendeu-se de seus dedos e penetrou na terra, cortando o capim, enquanto o fantasma caía . Adimirzinho chegou mais perto da velhinha esquelética e passou os olhos espantados pelo corpo estirado.
         -Não é um bicho. É  uma velha... Ou é alguém usando uma máscara daquela apresentadora de programas... Não. Não é alguém usando uma máscara da Hebe Cagargo. É a velhinha que todos temem, e eu consegui matá-la! Eu sou o melhor, o maior caçador! A partir de hoje não me verão mais como um vagabundo. O  coitado que apanha dos irmãos. De hoje em diante  começarão a me respeitar... Mas quem irá crer em mim? Só se eu provar, levando sua foice! É isso! Basta que eu leve e mostre a eles esta coisa brilhante. E além disso, isto deve ter muito valor. É um objeto raríssimo. Seu brilho me conquistará quem sabe, uma fortuna. Se eu conseguir vender, é claro. Mas eu vou conseguir, sim!
         Erguer aquilo nas costas foi um sacrifício. A foice pesava tanto quanto uma dúzia de foices comuns. Era difícil compreender como uma mulher tão magra conseguia carregar aquela arma e assassinar tantos homens. Porém, o peso do objeto não impediu que o caçador noturno se arrastasse dali com a foice cintilante, além de sua espingarda.
        Quando Adimirzinho saiu do  local onde matara a assombração; ou melhor, do local onde acreditara tê-la assassinado, esta abriu os olhos encovados e provou que o ignorante caçador estava totalmente enganado. A velhinha se levantou rindo e com voz rouca murmurou para o negror da noite:
        -Idiota! Pensa que me matou!
        Logo, as pernas de Adimirzinho vergaram de tão cansadas e ele teve de parar. Jogou a foice e estirou-se no chão largando também da espingarda. A cabana ainda estava tão longe. 
        Por alguns instantes chegou a pensar em esconder a coisa brilhante no mato e ir pedir ajuda aos outros Rancorgues.  Mas, não! Seus irmãos não acreditariam em sua história. E se por milagre, conseguisse convencê-los a vir com ele , ainda teria de repartir a foice com eles.
        Já havia descansado um pouco. Não passaria o resto da noite deitado ali. Se quisesse mesmo fama e riqueza teria de se esforçar. Teria de continuar se arrastando com todo aquele peso sobre si. 
        Mas assim que decidiu levantar e prosseguir, ouviu um assobio vindo de uma árvore. Levantou os olhos e ela estava lá. A velhinha, que matara, encontrava-se trepada no topo da árvore, sorrindo para ele, com os olhos tão brilhantes quanto a foice.          
 Continua...
    (Texto: Osmar Batista Leal)

       
                                                 
  
             
          



























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