PÁLIDAS’ DRINKS
II
“girl you gotta love your man”
( The doors)
Lá fora a chuva aumentava, mas ali dentro parecia estar mais quente do que da última vez que visitei o local. Procurei uma mesa que ficasse num canto afastado dos outros homens que bebiam suas cervejas. Enfim, sentei-me para descansar o corpo. Porém, mentalmente, eu não conseguia relaxar.
“Na gaveta da pia? Debaixo do fogão? Atrás da geladeira? Ou será que eu fui pro quarto e escondi sob o colchão? Eu não consigo lembrar onde eu larguei a faca suja de sangue.”
Observei as poucas mulheres que havia ali dentro naquela noite de chuva, tentando me esquecer dos pensamentos ruins. Nem uma delas notou a minha presença. Cada uma já bebia, acompanhada. A mulher atrás do balcão que assistia a novela não parou de ver televisão para perguntar o que eu queria.
“Se Libertina ainda estivesse aqui, me trataria de forma diferente... Porque ela não era igual às outras... Não era até que... Por que ela fez isso comigo ? Por que eu tive que fazer isso a ela?”
Logo, comecei a lembrar do dia em que entrei no Pálidas’ drinks pela primeira vez. Libertina veio, prontamente, me atender:
-Oi !
-Oi -Respondi, com a cara fechada. Mas ela sabia exatamente o que eu vinha comprar . Um pouco de alegria.
- Você quer companhia? –Ela perguntou a mim
- Você quer tomar uma dose? –Eu perguntei a ela.
- Paga um Keep Cooler?
- É claro.
A garrafinha custava vinte reais, mas ela valia muito mais do que isso. Virou-se e foi até o balcão. Depois voltou com uma garrafinha, já pela metade. Não trazia copo.
-Você quer que eu sente bem pertinho de você ? –Ela disse para mim. -Quero que você sente no meu colo! –Eu disse para ela.
Delicadamente, ela sentou-se onde eu sugeri. Bebeu mais um gole no gargalo e, em seguida despejou um pouco da bebida debaixo da cadeira onde sentávamos.
-Como é o seu nome?
- Libertina. E o seu?
-Valdevino!
Ela riu. Bebeu novamente, despejou mais bebida no chão e disse:
-Bonito nome. O que quer dizer?
-Não sei... Faz quanto tempo que você trabalha aqui?
-Cheguei ontem ... Mas eu já trabalhei em várias casas.
-Veio de onde?
- Você conhece alguma casa lá no Pinheirinho?
- Várias. Mas eu nunca te vi lá.
- Eu só fiquei duas noites!
- Então é por isso. Faz três dias que não apareço para aqueles lados... Quantos anos você tem?
-Estou completando dezenove, hoje!
-Então quer dizer que está fazendo aniversário hoje?
- E o que tem isso?
Sem saber o que responder, comecei a cantar:
-Parabéns pra você, nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de...
Ela não gostou. Levantou-se do meu colo, sentou na cadeira ao lado e começou a chorar.
-Desculpe-me! –disse eu.
-Não tem problema! -respondeu ela olhando para baixo enquanto despejava mais bebida debaixo da cadeira.
-Mas o que foi que eu fiz de errado?
-Fui eu que fiz. Eu estraguei a minha vida... E você cantou como se estivesse me ironizando...
-Não. Eu não estava. Eu estava cantando sério... Mas o que tem a sua vida?
- Não adianta eu contar. Você não vai me entender.
- Mas pelo menos eu gostaria de escutar você.
- Tem certeza?
-Sim.
Ela largou a garrafa sobre a mesa, levantou a cabeça, olhou-me nos olhos e disse:
- Tem certeza que você quer mesmo me escutar?
De repente minha memória foi interrompida pelo barulho da chuva. A chuva que me acompanhara até ali, transformava-se la fora em tempestade. "Onde larguei o meu guarda-chuva"-pensei.
Continua...
De repente minha memória foi interrompida pelo barulho da chuva. A chuva que me acompanhara até ali, transformava-se la fora em tempestade. "Onde larguei o meu guarda-chuva"-pensei.
Continua...
Texto: Osmar Batista Leal
CONTINUA...
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