LOCAL DO ÓCIO criação: Osmar Batista Leal

" Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço"
( William Blake)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Texto 4- (Pálidas' drinks - parte 3)

                    
   “His brain is squirming like a toad”
   (The doors)


    Como das outras vezes, que estive ali dentro, eu não estava bebendo nada. A mulher que assistia a novela atrás do balcão era a mesma das outras noites. As mesas e as cadeiras também eram as mesmas. Mas, no todo, o local parecia não ser o de sempre. Talvez fosse porque "em todos os lugares tudo está em movimento. É impossível estar duas vezes na mesma zona..." Ou simplesmente porque Libertina não encontrava-se mais na casa. Eu lembrava do dia em que ela me contou sua história, como se ela ainda me contasse.  
      -Conheci o meu príncipe encantado aos treze anos. O João Piqueno era o cara maior da minha sala. O que batia em qualquer um...
  Foi exatamente com esse vocabulário que Libertina começou a sua narrativa.  
    - Eu também já tinha reprovado algumas vezes a quinta série, mas o João Piqueno batia o recorde. Cinco anos na mesma série.  Ele já devia ter quase dezoito quando nos conhecemos na sala de aula...
      Enquanto a mulher assistindo a novela não mandava ninguém vir me atender eu  relembrava o relato da menina que não fazia mais parte do quadro do Pálidas’ Drinks:
       - Ele começou a surrar, na saída do colégio, todos os caras que se aproximavam de mim. Eu me sentia totalmente protegida...
      Pensei em levantar dali, ir até o balcão, dizer boa noite à atendente que via televisão, e perguntar se tinha água mineral! “Por que você não bebe cerveja?” Perguntou-me Libertina, uma vez,  no dia em que eu falei de fazer isso." Ficava melhor se você  bebesse alguma coisa alcoólica.”
      -Minha mãe insistia para que eu cuidasse mais dos estudos , mas larguei de tudo. Da escola, do cursinho de infomática, e fui morar com o João Piqueno no fundo da casa da mãe dele...
         O que havia de tão estranho em eu ir lá no balcão e pedir uma água mineral? Eu gostava de beber vinho, mas não ali. Tinha medo de ficar bêbado , perder todo o dinheiro e ir embora sem aproveitar nada... Mas o que eu ainda tinha para aproveitar, se Libertina não existia mais?
          -O nosso amor durou uma noite. A partir da segunda o João Piqueno começou a chegar em casa muito louco. Queria que eu contasse quem eram os carinhas que passavam na rua e mexiam comigo...
        Um homem despediu-se da mulher com um longo abraço. A  mulher o acompanhou até a porta. Ao voltar ela olhou em minha direção. Lá fora a chuva estava muito forte. Ouvi os passos do homem que saiu correndo até seu carro.
         -A cada noite que passava o João Piqueno chegava mais tarde e mais louco. Era difícil de convencê-lo de que ninguém estava mexendo mais comigo. Ele queria voltar para a rua. Brigar com alguém. Tinha saudades do tempo em que estudava...
         Imaginei que a mulher que levou o seu homem até a porta iria perguntar se eu queria companhia, mas ela olhou apenas para a minha mesa. Depois, preferiu desaparecer do salão. Entrou numa porta que deveria levar para o seu quarto.    
         -Depois que tive um filho,  o João Piqueno convenceu-se que era loucura da cabeça dele achar que tinha uns carinhas olhando para mim. Ao invés de continuar querendo brigar com alguém,  começou a me bater. Não suportei mais. Achei melhor catar o João Piquiininho e irmos morar com a minha mãe... 
         Dois caras entraram no Pálidas’ e foram direto até o balcão. A atendente perguntou se eles queriam Kaiser ou Skol. Nesse instante a mulher que havia entrado no quarto voltou junto com uma amiga e as duas levaram os dois até uma mesa no canto da casa.  
       -A mãe ajudava a cuidar do  João Piquininho, mas o meu pai não gostava nem um pouco da criança. Dizia que era a cara do pai. E que  quando o João Piquininho crescesse iria ficar tão briguento quanto o João Piqueno. Desde pequeno já tinha uma cara invocadinha. Cada vez  que eu e o  pai discutíamos , ele me jogava na cara que...
      Quando ela chegou nessa parte da história, começou a chorar outra vez e jogou todo o resto da bebida debaixo da mesa, como vinha fazendo aos poucos.
       -Por que está jogando a bebida que eu paguei para você? –Eu perguntei.
       -Eu sabia que você não ia prestar atenção na minha história.
       - Eu prestei atenção... Mas eu só não entendo porque você joga a bebida que eu pago.
       - Porque você é um cara legal. O último cara com quem fiquei pagou quinze garrafinhas de Keep Cooler e fez eu beber tudo...
        E então ela disse que eu era um cara legal. E eu achei legal a maneira como ela falou que eu era legal e... Voltei conversar com Libertina mais três sábados consecutivos. No quarto  resolvi salvá-la dos Keep Coolers. Ela aceitou pegar seu filho e irem morar comigo. Libertina dizia que gostava de mim, mas não acostumava-se com o ambiente da minha casa. "Eu deveria  comprar uma televisão". Nem o João Piquininho, deixava muito tempo lá. Sempre que eu ia trabalhar ela levava o filho para a mãe cuidar. Libertina ficou morando comigo até o dia em que... Tudo acabou...  Aonde foi que eu deixei a minha faca suja de sangue ?
      Minhas lembranças me levaram para um ponto insuportável onde precisava esquecer um pouco Libertina para não enlouqucer... Afinal ela não existia mais.
      Resolvi olhar  para uma outra direção. O interior do Pálidas’ Drinks era muito espaçoso. Havia alguns cantos que eu ainda não conhecia. Num deles eu vi uma mulher sentada sozinha. Ela acenou com a mão para mim e pareceu sorrir, como se já me conhecesse. Talvez fosse nova ali, mas já tivesse conversado comigo em outras casas. Eu ia muito em uma casa lá no Pinheirinho também...Não pude ver direito quem era quando fixei meu olhar.
       Pensei em ir até lá. Levantei-me. Talvez ela não saísse do lugar quando eu me aproximasse, mas  continuou com a cabeça abaixada.         
            Continua...
     Texto: Osmar Batista Leal

   

  

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