“If you give this man a ride
Sweet family will die”
( The doors)
Era uma noite normalmente fria quando eu a encontrei na rua. Ela estava esperando ônibus num ponto qualquer de Curitiba. Do céu, descia uma garoazinha tão fina que nem chegava a molhar direito. Eu até estava com meu guarda-chuva desarmado ao me aproximar.
Estalou os seus olhos como se eu fosse assaltá-la. Mas eu apenas atirei naquela mulher parada, algumas palavras, minhas mesmas:
-Você aceitaria passear comigo de mãos dadas sob o perfume das flores que nascem no cemitério?
Ela não me respondeu. Continuou me olhando dos pés a cabeça. Seus olhos queriam ter certeza de que eu não escondia nenhuma faca ou revólver por dentro da roupa. E eu continuei perguntando:
-Você aceitaria beber comigo uma taça de Campo Largo envenenada?
O susto inicial havia tranqüilizado-se. Restava, em seu rosto, o medo que a impedia de me responder qualquer coisa:
-Você gostaria de deitar-se ao meu lado, para sempre, enquanto aqueles que permaneceriam neste mundo de sofrimento, nos brindariam jogando coloridas flores sobre a nossa derradeira cama sepulcral?
Dei uma pequena pausa para, talvez, uma resposta. Não houve.
-Enquanto teus lábios carnudos me dizem não, teus olhos virginais também não me dizem sim...
Nesse instante vi uma luz refletir no rosto daquela mulher. E ela movimentou-se. Colocou uma das mãos na abertura da bolsa e preparou-se para subir.
Os faróis de um ônibus surgiam iluminando a rua escura. O Interbairros 4 parou, abriu suas portas e estendeu seus degraus para a mulher que o esperava ansiosamente.
Mesmo sem ouvir nada de sua boca, eu disse boa noite e fui me despedindo para sempre:
- Até nunca mais, virgem dos lábios de fogo.
Deixei-a para que fosse engolida pelo ônibus. Saí dali a procura de outros lábios nos quais pudesse me refugiar. O carro verde a levou para junto de seus outros passageiros e eu voltei a perambular sob a escuridão da atmosfera chuvosamente fria.
Quando a rua parecia não ter mais fim, uma porta iluminada, como sempre, apareceu. Acelerei as passadas em direção à boca que me recolheria. E, com muita ansiedade, eu me aproximei da porta. Sem nem mais me preocupar se alguém estava vendo o que eu estava fazendo, entrei. Feliz como quem cumpre um ritual; outra vez eu estava dentro. Eu pisava no interior do Palidas’drinks.
Continua...
Texto: Osmar Batista Leal
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