I
Um homem alcoolizado
-Vocês viram duas criancinhas? Um piazinho e uma
menininha. São meus filhos. Eles saíram de casa e não voltaram. Eu estou muito preocupado.
Se alguém ver eles por aí, por favor, me
avise. Ah, eles se chamam João e Maria.
II
O narrador:
Esse
cafajeste contou a história pela metade. Mas eu sou o narrador e vou contá-la
por inteiro. Na verdade, ele é o pai das crianças e com certeza, agora, está
preocupado. Mas o que ele não contou foi o motivo das crianças saírem de casa.
O fato é que ele chegou bêbado, surrou a esposa e a esposa, por sua vez,
começou a gritar. As crianças se assustaram e decidiram fugir dessa realidade.
Saíram de casa e foram para a floresta. Anoiteceu,
as crianças perderam-se no meio da floresta, mas encontraram uma cabana.
Bateram palmas na frente, uma velhinha apareceu na porta e os recolheu.
III
O ferro pontudo
Dentro da
cabana, a velhinha fez sopinha de legumes para as duas crianças. Mariazinha
adorou, mas Joãozinho queria um sanduíche do MacDonald com guaraná Antarctica.
-Sanduíche
do MacDonald com guaraná Antactica, eu não tenho! –disse a velhinha.
-Então nós
vamos sair e procurar a cidade –respondeu Joãozinho.
-Ninguém vai
sair daqui a esta hora. –interrompeu a velhinha, enquanto passou a chave na
porta e guardou dentro de seu vestido de três botões.
-Já que
vieram até mim. Vão ficar comigo até o responsável aparecer. –continuou a
velhinha.
-E tem mais
uma coisa: Já está na hora de vocês irem pra cama
Enquanto
falava a velhinha foi tombando um colchão para as crianças dormirem. Mariazinha
deitou no colchão e dormiu. A velhinha também deitou em sua cama perto do
colchão sem apagar a lâmpada para não assustar as crianças. Joãozinho deitou-se
ao lado de Mariazinha, mas não teve coragem de dormir. Pois debaixo da cama da
velhinha ele viu um ferro pontudo.
IV
A visão fantasmagórica
Joãozinho
ficou com muito medo daquilo que viu debaixo da cama. Assim que a velhinha
dormiu ele levantou bem devagar do colchão, aproximou-se dela e com cuidado,
abriu o primeiro botão de seu vestido.
Quase
morreu de susto quando a velhinha mexeu-se na cama e abriu um olho. Ele olhou
apavorado para a face de um olho aberto e outro fechado sendo iluminada pela
lâmpada. Era uma visão fantasmagórica.
Ainda
faltava abrir dois botões para Joãozinho poder pegar a chave, acordar
Mariazinha, abrir a casa e fugirem correndo dali. Mas ele não teve coragem de
abrir o segundo botão. Com certeza, a velhinha acordaria antes que ele abrisse
totalmente o vestido.
V
Mudanças de plano
Sem coragem
de continuar abrindo os botões do vestido da velhinha, Joãozinho resolveu mudar
o seu plano. Abaixou-se, esticou o braço embaixo da cama, pegou o ferro e puxou
devagar sem fazer barulho. Em seguida, acordou sua irmã com a mesma precaução,
mostrou para ela o ferro pontudo e o olho aberto da velhinha.
-Vai furar
o olho aberto dela com isso? –Perguntou Mariazinha, olhando para o ferro.
-É claro
que sim. Qual é o problema? –Respondeu Joãozinho.
-O problema
é que isto é uma história infantil baseada no conto “João e Maria” dos irmãos
Grimm e não um filme violento proibido para menores de 16 anos.
Após a
resposta da menina, o menino teve que mudar de estratégia novamente. E então
ele usou toda a sua força no ferro contra a fechadura, derrubou a porta e ambos
saíram correndo.
VI
Correndo
pela floresta
Com a mesma
velocidade que Joãozinho e Mariazinha passaram pela porta da casa da velhinha, continuaram correndo sem olhar para trás. Mas
quando chegaram na metade da floresta tiveram que parar porque o menino não
tinha mais forças para continuar a fuga. Porém, a menina que havia tomado a
sopa de legumes que a velhinha preparara, colocou Joãozinho sobre as costas e
continuou correndo até o lago.
VII
O canto do
cisne
Quando as
crianças chegaram no lago, um cisne encantado colocou-as em suas costas e
atravessou o lago com elas sobre si, sem cobrar nada. Mas se por acaso elas
quisessem trazer, numa próxima vez, todos os seus amiguinhos para esse mesmo
passeio , seria 10 reais por cabeça.
E logo que Joãozinho
e Mariazinha já estavam familiarizados com o cisne ele começou a cantar uma
musiquinha tranqüila:
“Eu sou um
cisne encantado
Que levo
crianças para a cidade legal
E se alguém
também quiser passear desta forma
É só me
encontrar neste mesmo local”
VIII
Uma mãe
desesperada
Na cidade
havia uma delegacia. Na delegacia, o delgado e o policial, seu ajudante, ouviam
atentos o lamento de uma mãe desesperada:
-Meus dois
filhos saíram de casa ontem e não voltaram mais. Eles são muito pequenos e não
sabem se virar sozinhos. Eu estou muito preocupada...
O delegado
interrompeu:
-Quando eu
era criança, minha mãe leu para eu dormir o conto “João e Maria”dos irmãos
Grimm e nunca mais tive coragem de dormir com a luz apagada, mas hoje eu tenho
um revólver, uma viatura e um policial que irá comigo até a cabana da velhinha.
A mulher
ficou mais aliviada e o delegado concluiu:
-Deixe
uma foto de Joãozinho e Mariazinha e o
seu endereço que hoje mesmo levaremos as crianças até a sua casa, senhora. Se
elas ainda estiverem vivas é claro!
IX
De volta à
floresta
Meia hora
após conversar com a mãe desesperada, a viatura do delegado parou em frente à
cabana na floresta, saiu de dentro do
carro junto com o policial, seu ajudante -cada um com sua arma em punho- e
gritou para a velhinha ouvir:
-A senhora
tem dois minutos para sair da cabana com as mãos pra cima!
E no
terceiro minuto eles entraram atirando pela porta arrombada. A velhinha abriu o
outro olho e nunca mais fechou nenhum dos dois. Morreu cravada de balas olhando
para o ferro pontudo que guardava debaixo da cama para sua proteção, caso um
ladrão quisesse assaltá-la, fora do lugar.
-Fotografe esse ferro pontudo no chão. É a
prova de que atiramos em legítima defesa. Disse o delegado para o seu ajudante.
-Fotografe
também esse pratinho no chão. É a evidência de que as crianças já foram
comidas.
XI
Na cidade
Meia hora
após deixar a cabana, a viatura já estava na cidade. O carro parou em frente a um sinaleiro e duas crianças apareceram. Uma
das crianças aproximou-se do vidro do
carro e disse:
-Tem dez
centavos para comprar um chiclete, Tio? A
gente tá com muita fome.
O policial
apontou o menino e a menina para o delegado e disse:
-Veja. São
as crianças da foto que a mulher deixou na delegacia...
O delegado
interrompeu:
-Seu
retardado. Não está vendo que este caso já está encerrado? Ou você quer que o
narrador continue contando essa história estúpida?
O policial respondeu:
-Então
deixa eu dar dez centavos para ficar com a consciência mais ou menos tranqüila.
E o
delegado concluiu:
-Vamos dar
vinte centavos. Eu ajudo com dez!
(Osmar
Batista Leal)
Fim
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