LOCAL DO ÓCIO criação: Osmar Batista Leal

" Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço"
( William Blake)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Ferro pontudo



I
Um homem alcoolizado

-Vocês viram duas criancinhas? Um piazinho e uma menininha. São meus filhos. Eles saíram de casa e não voltaram. Eu estou muito preocupado. Se alguém ver  eles por aí, por favor, me avise. Ah, eles se chamam João e Maria.

II
O narrador:

  Esse cafajeste contou a história pela metade. Mas eu sou o narrador e vou contá-la por inteiro. Na verdade, ele é o pai das crianças e com certeza, agora, está preocupado. Mas o que ele não contou foi o motivo das crianças saírem de casa. O fato é que ele chegou bêbado, surrou a esposa e a esposa, por sua vez, começou a gritar. As crianças se assustaram e decidiram  fugir dessa realidade. 
    Saíram de casa e foram para a floresta. Anoiteceu, as crianças perderam-se no meio da floresta, mas encontraram uma cabana. Bateram palmas na frente,   uma velhinha apareceu na porta e os recolheu.
 
III
O ferro pontudo

  Dentro da cabana, a velhinha fez sopinha de legumes para as duas crianças. Mariazinha adorou, mas Joãozinho queria um sanduíche do MacDonald com guaraná Antarctica.
  -Sanduíche do MacDonald com guaraná Antactica, eu não tenho! –disse a velhinha.
  -Então nós vamos sair e procurar a cidade –respondeu Joãozinho.
  -Ninguém vai sair daqui a esta hora. –interrompeu a velhinha, enquanto passou a chave na porta e guardou dentro de seu vestido de três botões.
  -Já que vieram até mim. Vão ficar comigo até o responsável aparecer. –continuou a velhinha.
   -E tem mais uma coisa: Já está na hora de vocês irem pra cama
  Enquanto falava a velhinha foi tombando um colchão para as crianças dormirem. Mariazinha deitou no colchão e dormiu. A velhinha também deitou em sua cama perto do colchão sem apagar a lâmpada para não assustar as crianças. Joãozinho deitou-se ao lado de Mariazinha, mas não teve coragem de dormir. Pois debaixo da cama da velhinha ele viu um ferro pontudo.

   IV
  A  visão fantasmagórica

  Joãozinho ficou com muito medo daquilo que viu debaixo da cama. Assim que a velhinha dormiu ele levantou bem devagar do colchão, aproximou-se dela e com cuidado, abriu o primeiro botão de seu vestido.
   Quase morreu de susto quando a velhinha mexeu-se na cama e abriu um olho. Ele olhou apavorado para a face de um olho aberto e outro fechado sendo iluminada pela lâmpada. Era uma visão fantasmagórica.
   Ainda faltava abrir dois botões para Joãozinho poder pegar a chave, acordar Mariazinha, abrir a casa e fugirem correndo dali. Mas ele não teve coragem de abrir o segundo botão. Com certeza, a velhinha acordaria antes que ele abrisse totalmente o vestido.
  
V
Mudanças de plano

   Sem coragem de continuar abrindo os botões do vestido da velhinha, Joãozinho resolveu mudar o seu plano. Abaixou-se, esticou o braço embaixo da cama, pegou o ferro e puxou devagar sem fazer barulho. Em seguida, acordou sua irmã com a mesma precaução, mostrou para ela o ferro pontudo e o olho aberto da velhinha.
   -Vai furar o olho aberto dela com isso? –Perguntou Mariazinha, olhando para o ferro.  
   -É claro que sim. Qual é o problema? –Respondeu Joãozinho.
   -O problema é que isto é uma história infantil baseada no conto “João e Maria” dos irmãos Grimm e não um filme violento proibido para menores de 16 anos.
   Após a resposta da menina, o menino teve que mudar de estratégia novamente. E então ele usou toda a sua força no ferro contra a fechadura, derrubou a porta e ambos saíram correndo.

 VI
   Correndo pela floresta 
 
   Com a mesma velocidade que Joãozinho e Mariazinha passaram pela porta da casa da velhinha,  continuaram correndo sem olhar para trás. Mas quando chegaram na metade da floresta tiveram que parar porque o menino não tinha mais forças para continuar a fuga. Porém, a menina que havia tomado a sopa de legumes que a velhinha preparara, colocou Joãozinho sobre as costas e continuou correndo até o lago.

VII
 O canto do cisne

  Quando as crianças chegaram no lago, um cisne encantado colocou-as em suas costas e atravessou o lago com elas sobre si, sem cobrar nada. Mas se por acaso elas quisessem trazer, numa próxima vez, todos os seus amiguinhos para esse mesmo passeio , seria 10 reais por cabeça.
   E logo que Joãozinho e Mariazinha já estavam familiarizados com o cisne ele começou a cantar uma musiquinha tranqüila:
   “Eu sou um cisne encantado
   Que levo crianças para a cidade legal
   E se alguém também quiser passear desta forma
   É só me encontrar neste mesmo local”


VIII
 Uma mãe desesperada
 
   Na cidade havia uma delegacia. Na delegacia, o delgado e o policial, seu ajudante, ouviam atentos o lamento de uma mãe desesperada:
   -Meus dois filhos saíram de casa ontem e não voltaram mais. Eles são muito pequenos e não sabem se virar sozinhos. Eu estou muito preocupada...   
    O delegado interrompeu:
   -Quando eu era criança, minha mãe leu para eu dormir o conto “João e Maria”dos irmãos Grimm e nunca mais tive coragem de dormir com a luz apagada, mas hoje eu tenho um revólver, uma viatura e um policial que irá comigo até a cabana da velhinha.
     A mulher ficou mais aliviada e o delegado concluiu:
     -Deixe uma foto de Joãozinho e Mariazinha  e o seu endereço que hoje mesmo levaremos as crianças até a sua casa, senhora. Se elas ainda estiverem vivas é claro!


 IX  
  De volta à floresta

  Meia hora após conversar com a mãe desesperada, a viatura do delegado parou em frente à cabana na  floresta, saiu de dentro do carro junto com o policial, seu ajudante -cada um com sua arma em punho- e gritou para a velhinha ouvir:
   -A senhora tem dois minutos para sair da cabana com as mãos pra cima!
   E no terceiro minuto eles entraram atirando pela porta arrombada. A velhinha abriu o outro olho e nunca mais fechou nenhum dos dois. Morreu cravada de balas olhando para o ferro pontudo que guardava debaixo da cama para sua proteção, caso um ladrão quisesse assaltá-la, fora do lugar.
    -Fotografe esse ferro pontudo no chão. É a prova de que atiramos em legítima defesa. Disse o delegado para o seu ajudante.
    -Fotografe também esse pratinho no chão. É a evidência de que as crianças já foram comidas.

  XI
 Na cidade

  Meia hora após deixar a cabana, a viatura já estava na cidade. O carro parou em frente a  um sinaleiro e duas crianças apareceram. Uma das crianças  aproximou-se do vidro do carro e disse:
   -Tem dez centavos para  comprar um chiclete, Tio? A gente tá com muita fome.
   O policial apontou o menino e a menina para o delegado e disse: 
   -Veja. São as crianças da foto que a mulher deixou na delegacia...
   O delegado interrompeu:
   -Seu retardado. Não está vendo que este caso já está encerrado? Ou você quer que o narrador continue contando essa história estúpida?
   O policial respondeu:
   -Então deixa eu dar dez centavos para ficar com a consciência mais ou menos tranqüila.
   E o delegado concluiu:
   -Vamos dar vinte centavos. Eu ajudo com dez!
   
   (Osmar Batista Leal)  

    Fim

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